Há
uma linha tênue entre ser um humano e um animal. São poucas as coisas que nos
diferencia, se pararmos pra pensar você pode se encaixar nos dois, às vezes o
nosso instinto animal fala mais alto em devidas situações e outras o seu lado
mais humano prevalece, e eu pergunto, qual o que nos domina mais? – se é que
existe um lado dominante. Você não se pergunta isso de vez em quando?
O estalo dos dedos dele me fez
olha-lo e despertar do meu transe, o encaro por alguns segundos e o seu olhar é
concentrado em mim, quando ele me olhava desse jeito eu sentia algo dentro de
mim, não sei bem explicar o quê, e sim dizer que era algo forte e me
impulsionava de alguma maneira. Eu era observada a cada passo que dava depois
do incidente ocorrido nas últimas semanas e por esses motivos eu ficava em
casa. Verifiquei as janelas e portas umas 500 vezes, tive certeza então que estava
seguro e fui em direção meu quarto, sentei na cama e joguei a cabeça para trás
fechando os olhos, quando ouvi sua voz rouca perguntar:
“Você ainda sonha com aquilo,
Anne?” Abri
os olhos e senti um arrepio forte, me virei para ele.
“Não,
não sonho” Tentei sorrir, mas meus olhos me entregavam.
“Continue
dizendo isso a si mesma” Ele sorriu de uma maneira que me fez sentir calafrio.
Cenas
daquele infeliz momento vieram na minha cabeça, uma gota de suor passou por
minhas costas me fazendo suar frio. Respirei fundo. As gotas de chuva começaram
a bater fortemente na janela, ele então se calou não dizendo mais nada, tentei
me distrair ligando o rádio que ficava perto de minha escrivaninha, uma música
então desconhecida começou a tocar, primeiramente eu não reconheci a voz e
quando estava me acostumando com a mesma, o rádio parou de tocar, me levantei
para ver o que tinha acontecido e percebi então que a energia tinha ido embora.
Suspiro e volto a sentar na cama, quando estou prestes a deitar ouço um barulho
de um objeto caindo. Meu corpo todo treme e um grito fica abafado em minha
garganta seca.
Num
ato sem pensar, vou até a porta e abro devagar e fico parada por alguns
segundos esperando algo acontecer. Talvez ele quisesse brincar de me assustar
como sempre fazia, só que dessa vez eu não ia fugir, iria encara-lo de frente.
“Andei
assistindo você aqui. Ocasionalmente.” Ele disse calmamente e um pouco baixo,
mas que ainda assim pude ouvir o que ele tinha dito.
“Mesmo?” Rebati.
“Mesmo” Ele confirmou.
“E
você tem gostado de me observar?” Falei ironicamente.
“Eu não ficaria tão
lisonjeada se fosse você” Ele falou batendo os ombros.
A
falta de luz incomodava meus olhos, não conseguia vê-lo até que o mesmo deu um
passo em direção à janela e pude apenas ver sua sombra refletida no chão. Ele
começa a andar devagar em minha direção, e eu me mantive firme em meu lugar e
sinto ele se aproximar cada vez mais até que a distância entre nós tornou-se
pouca, e ele coloca a mão sobre o meu ombro, falo:
“Só
porque você sabe o que aconteceu, não quer dizer que esteja no controle. Ou
será que eu vou ter que lembrar do que aconteceu semanas atrás?” Sorri
friamente e continuei:
“E
você, sonha com isso Scott?” Mantive o sorriso e foi a primeira vez que pude
sentir o seu olhar desviar.Voltei a me afastar dele, e soltei um riso baixo.
“Não
ouse rir de mim!” Ele exasperado.
“Você sabe que não é bem assim, você sabe que
não sou só eu que ajo assim.”
Terminando de falar um pouco mais calmo.
Estremeci
e aquilo que eu estava evitando e tentando esconder estava acontecendo bem ali
na minha frente. Ele voltou a se aproximar de repente senti sua mão
esbofeteando meu rosto, me fazendo cair no chão, sinto uma dor forte e tento me
levantar quando ele avança sobre mim e tenta me estrangular, o peso do seu
corpo não estava ao meu favor e eu começo a mexer minhas pernas em vão,
tentando me desvencilhar de alguma maneira, o ar estava me faltando até que
consegui soltar um de meus braços e arranhar seu rosto com força, fazendo o
mesmo gritar de dor e cambalear para trás. Levanto
depressa em direção à cozinha, atrás de algo para me defender e sinto-o vir
atrás de mim, pego a primeira coisa que vejo em cima da mesa e antes pudesse
virar para feri-lo ele me agarra com força tentando mais uma vez me fazer
perder a consciência, num impulso maior eu consigo então enfiar a faca em
estômago com força, ele me solta e cai logo em seguida me olhando assustado,
ele agoniza por alguns segundos e tenta falar algo:
“Por que você fez isso?” Não consigo
entendê-lo, pois ele se afoga em seu próprio sangue.
Volto olha-lo sem sentir algum
remorso ou culpa, seu corpo estava estirado ao chão e me abaixo tirando a faca
de seu corpo e coloco na pia, abrindo a torneira limpando-a e lavando minhas
mãos até que não restasse mais nenhum vestígio de sangue. Depois de ter feito
isso, passo por cima do mesmo voltando para meu quarto e deitando em minha
cama, fechando os olhos.
Acho que agora
tudo estava resolvido, observei o teto pela segunda vez naquela noite e pensei
em coisas aleatórias, voltei ao pensamento de ser um animal ou um ser humano, e
não entendia bem qual lado tinha me dominado e me perdi então nesses
pensamentos até adormecer.
Acordo com
um sorriso meu rosto, imaginando que hoje vai ser um longo dia e logo ele vem
pra casa, precisava pensar em alguma comida gostosa para o almoço, abri os
olhos, e virei para lado e percebi que ele não estava ali, estranhei e resolvi
levantar da cama. Fui andando em direção à porta, abrindo-a e indo para
cozinha, quando a luz forte do sol entrava pela janela – nem parecia que tinha
chovido ontem -, refletia sobre minha roupa e então eu vi o sangue já seco e
espalhado pela mesma, arregalei os olhos sem entender e continuando a olhar e
sem querer eu tropeço em algo escorregadio e me deparo com o corpo de George
encharcado de sangue e seus olhos abertos sem nenhuma emoção, eu fecho os olhos
tentando pensar no que aconteceu e então flashs da noite anterior vieram a
minha cabeça e lembrei que as conversas que eu tinha com Scott nunca existiram
e que nada tinha acontecido, que George e eu não nos víamos faz tempo, e que a
única conversa que aconteceu foram as alucinações criadas em minha cabeça,
engatinhei até o corpo dele e o segurei, as lágrimas caíram sobre meu rosto me
fazendo soltar um grito alto com toda força que eu tinha e foi então que loucura
me tomou em seus braços.
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