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Too much


Eu observava o tempo nublado com suas nuvens claramente pinceladas de cinza, um cinza tão escuro que se você parasse para analisar até podia parecer bonito aos olhos, combinava não só com o céu mas com o meu humor ou sentimento atual. Eu iria falar que nos dias assim eu lembrava dele mas me dei conta que nos dias de calor, e as variadas cores no céu também me lembravam dele e de nós. Respirei fundo e me deixei levar pela música que tocava baixo no fundo, as coisas estão difíceis por aqui, eu e o Tom entramos numa fase que era tão difícil pra ele do que pra mim, o que me fez rir ao pensar que no começo de tudo eu achei que poderia aguentar.  Ri mais uma vez, uma risada baixa de desespero. Estava sozinha em casa, Amanda iria passar o final de semana fora fazendo uma pesquisa por causa do mestrado, eles graças aos céus não estavam nem na cidade, quem dirá no país, não lembro muito e também não queria saber. 
Não lembro da última vez que nos vimos, talvez por que fora tão ruim que eu coloquei na cabeça pra não pensar mas, é tão inconsciente que mesmo que não tivesse pensando eu sabia que no fundo aquilo estava ali me cercando, era mais fácil de dia, difícil mesmo era a noite mesmo quando eu ia dormir, porém falam que é  um dia de cada vez. E sendo assim, eu não sabia se o dia se arrastava ou se era eu. Eram três horas da tarde eu não tinha feito muita coisa, e eu estava evitando ver meu celular a todo custo e quando olhei uma mistura de pessimismo e esperança me rodava, quando vi só tinha uma mensagem da Amanda dizendo: “Ta tudo bem? Qualquer coisa me liga. Aqui está um saco, mas fazer o que né, rs”, e  eu respondi que sim e que não era pra ela se preocupar. Comi algo, arrumei a casa, li um livro, mas lá pelas tantas eu estava deitada na sala com um vinho ouvindo umas músicas que eu sabia que o universo tinha colocado na aleatório pra caber no momento, nem quis mudar, deixei apenas tocar.  
Acendi um cigarro no qual evitei o dia inteiro, sabe aquele momento que você sabe que não deve fazer algo e que isso vai te fazer extremamente mal, mas que no fundo você aceita por que isso apenas faz parte da vida? Esses eram meus momentos com o cigarro, outras eu jurava não colocar nenhum cigarro na minha boca e outrora lá estava eu tragando a nicotina pro meu pulmão. Fumei um, dois ou mais, eu me sentia extasiada pela fumaça e nem me dei conta que chovia, um vento frio entrou pela fresta da varanda, o que me fez encolher, abraçando forte meus joelhos que eu quase me senti aquecida. Fiquei encarando o nada e percebi que tinha que sair desse mundinho de melancolia por mais que eu gostasse, e resolvi tomar um banho pra quem sabe dormir depois.
Alguns muitos minutos depois, eu já me encontrava mais relaxada e até com uma aparência melhor, resolvi voltar para sala e quando eu chego na mesma o meu coração para e eu agradeço ao corpo humano por fazer certas coisas sem comando, eu tive a plena certeza que não sabia como tava respirando. Engoli seco e o vi ali, de cabeça baixa, com seus cabelos louros curtos, e sua pele clara que se sobressaía em relação ao sobretudo preto que cobria o seu corpo, o seu perfume tomou conta do espaço, ou talvez fosse eu ou meu corpo que só conseguia sentir o cheiro do mesmo e de mais nada, sempre que ele estava por perto. Ele pareceu não perceber minha presença até eu me aproximar um pouco mais ainda em pé, ele levantou a cabeça e nossos olhares se encontraram, e eu tive que prender a respiração se ainda quisesse continuar em pé. 
Ele não disse nada e eu também não, a música baixa era única que fazia barulho na sala,  Tom e eu nunca fomos de ficar tanto tempo em silêncio e quando isso acontecia eu nunca sabia como me comportar. Ele estava com um semblante sereno, eu diria que até calmo, porém suas mãos entregavam sua ansiedade, então ele disse:
- Eu estava te esperando. – Ele falou com sua voz tão baixa que se eu não tivesse prestando atenção nele, não teria ouvido.
- Eu estou aqui. – Disse no mesmo tom que ele, dessa vez andando em direção ao sofá me sentando de frente pra ele.
- Eu quero te falar tanta coisa, mas eu to tão confuso que eu não sei pode onde começar. – Ele disse um pouco mais firme dessa vez, ainda sem me encarar. Eu assenti com a cabeça, sem nada a dizer. No fundo eu até queria, mas eu queria mais escutar do que falar.
- Desculpe ter entrado sem avisar.. – ele hesitou. – Eu não tive coragem de mandar uma mensagem por que eu nem vinha pra cá sabe, foi difícil, você sabe que eu não estava na cidade, eu só queria ficar só,  por um momento eu me vi sufocado por pessoas que eu amo tanto, precisei dar uma das minhas desculpas esfarrapadas.. aquelas que eu me entrego sempre, mas foi o suficiente pra eu chegar aqui, e cá estou. – Ele disse tão rápido e no fim riu um pouco irônico. E continuou:
- As coisas andam difíceis sabe, eu quero tanto estar com você, eu quero tanto você, mas eu entro num mundo de culpa e desespero, de estar machucando terceiros e então me volto pra você, e até pra nós, mas eu não consigo controlar nada quando você me vem a mente. Eu lembro da primeira vez que eu te vi e eu soube que algo acontecera, e que dali a diante o momento que eu continuasse seria um caminho sem volta, e eu quero tanto entender como você faz isso comigo, não você exatamente, mas isso tudo que acontece quando eu te vejo, quando você me toca, quando eu sinto teu cheiro. Eu gosto de você e isso é só uma frase camuflada dentre outro sentimento que eu tenho por você, entende? – Ele disse respirando fundo, porém Tom parecia mais conversando com ele mesmo do que comigo, e eu seguia estática apenas absorvendo e contendo o choro em mim, mas eu sabia que algumas lágrimas já tinham saído sem minha permissão e eu novamente assenti com a cabeça. E foi aí que , eu diria que seria uma conspiração ao nosso favor ou dele, uma música tocou e eu percebi que Tom estava de pé na minha frente:
- Dança comigo – Ele disse, puxando minha mão. Então a música começou a tocar e eu sabia que era exatamente o que Tom queria me dizer: 
“I’m not supposed to love you but I do, too much”
Suas mãos seguraram forte minha cintura, e eu levei minhas ao seu pescoço e nós começamos a nos movimentar devagar ao ritmo da música, eu senti ele respirar fundo ou fora eu? Oras ele massageava minha cintura com um cuidado que ele nunca teve antes, seus toques sem pressa queriam decorar cada detalhe do meu corpo por cima da blusa, ele pareceu não se contentar e levantou a mesma e o seu toque quente em meu corpo gelado me fez arrepiar, e eu senti o mesmo soltar um suspiro pesado. A música ainda tocava e cada palavra eu sentia Tom mais firme, era como se tivesse me falando tudo aquilo, ele me encarava:
“Life is too much for  me. I’m not supposed to love you but I do, too much!”
Eu o olhei e balancei a cabeça, entendendo exatamente o que ele queria dizer. Eu encostei minha cabeça em seu ombro e fechei os olhos me deixando ser embalada por ele, o corpo dele ao meu era o que eu mais queria naqueles últimos dias, ele começou a acariciar meus cabelos e eu tive certeza que eu estava sorrindo. Quando me dei conta, Tom me levava no colo para o quarto, exatamente como a gente faz com uma criança, eu quis muito abrir os olhos ou falar algo, nem que fosse um ‘obrigado por estar aqui’, mas o cansaço de dias mal dormidos estavam falando mais alto. Eu senti o mesmo deitar um pouco ao meu lado, e eu adormeci.
Houve um momento dentre esses que eu adormeci que eu não sei dizer se Tom disse algo entre “Eu não posso te amar ou pelo menos eu acho que não deva.. ainda”, e devo ter murmurado algo ou acho que fiz isso. Me deixei levar pelo sono, o que eram palavras em relação ao sentimento que tínhamos? Agora eu tinha certeza mais do que nunca, mas ao contrário dele que passava por confusão, eu sempre soube o meu sentimento para com ele, resumida nas três palavras que ele pareceu evitar durante a conversa: eu amo muito você.



"I’m not supposed to love you but I do."


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