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Pierrot.



4:00 horas. Estava um clima agradável enquanto eu estava sentada naquela praça vendo o tempo e as pessoas passarem com suas vidas tão ocupadas. Eu gostava de ficar parada ali apenas observando, era bom, podia ver cada detalhe, cada preocupação e alegria de cada pessoa que passava. Naquele domingo o dia parecia ter sido calmo, pelas poucas pessoas que vi, elas pareciam estar relaxadas e outras pareciam estar preocupadas por amanhã já ser segunda-feira. Enquanto observava as pessoas fumando meu cigarro, uma pessoa passou e eu reconhecera seu rosto de longe, Pierrot. Com seu semblante de menino-adulto com seus óculos e rosto bochechudo, ele passava despreocupado e escutando seu velho e bom rock, o segui com meu olhar para ver aonde o mesmo ia e por um momento ele virou e me olhou, deu um sorriso tímido e pensei que ele seguiria em frente, mas ele veio até mim balançando a cabeça. Sorrindo, ele me olhava e eu encarava de volta, enquanto isso joguei fora a bituca do meu cigarro, ele sentou ao meu lado e passou braço por meus ombros, me virei e olhei.                               
- Colombina, quanto tempo! – Afirmei com a cabeça.         
- Pierrot, quanto tempo mesmo! O que você faz por aqui? Ou melhor, onde você estava indo? – Falei calmamente esperando pela sua reação com o olhar um pouco perdido.  
- Ah eu estava apenas seguindo reto, sabe como é. Não esperava ver você por aqui. – Falou sincero e me olhava.           
- Nem eu. – Desviei o olhar.                                                                                    

 Ficamos em silêncio por alguns segundos, a música que saía do seu celular era “The Who –Girl’s Eyes” e eu balancei a cabeça ao reconhecer a letra. Ele me olhou confuso, ficamos mais um tempo em silêncio.            
- Eu fui na sua exposição de poesias. E gostei muito, fico feliz que você esteja fazendo sucesso com suas poesias, sempre torci por você. – Sorri.           
- Ah você foi? Fico feliz que tenha gostado, pena que não a vi, gostaria de realmente ter lhe encontrado por lá... – Ele falou quase baixo sua última frase, como se estivesse mais falando com ele do que comigo. – Você gostou de alguma poesia especial?-  Perguntou meio receoso. 
Demorei um tempo para responder sua pergunta, não queria lhe dizer que senti falta da minha poesia, saberia que se cutucasse a ferida não doeria só nele, mas em mim também por ter sido a grande culpada da criação da mesma. Ele parecia ansioso pela minha resposta enquanto eu estava dúvida entre a sinceridade ou não.         
- Bem, todas as poesias são boas, gostei de todas. De verdade, seu dom a cada vez mais se aprimora. Eram todas sobre amor, de um amor não correspondido, ou do que poderia ter sido. Não digo que uma delas me chamou atenção porque todas conseguiram me prender, mas de todas elas, uma fez falta.
  Falei calmamente e com cuidado todas as minhas palavras, sabia que ele entenderia, mas não sabia se ele comentaria algo. Eu esperava que sim, queria saber o porquê  que ele não expôs a poesia que fez pra mim, queria saber se ainda doía, queria saber se ele havia superado como ele dizia pra mim, ou como ele dizia por aí. Queria saber se ele estava bem, ou se ele apenas fingia. Mas que tudo sabia do tempo que havia passado, sabia que isso o magoaria. Fazia tanto tempo. Tempo que não o via, tempo que não conversávamos. Desde a faculdade, desde quando ele resolveu se afastar. Ele poderia responder por que ele simplesmente não queria ou que tinha esquecido, ou ele poderia responder nada e ir embora. Em vez disso ele respondeu calmo:
- A sua poesia foi uma das únicas que guardei pra mim. Ele falou sem receio e sério, ele me encarou por alguns segundos e logo em seguida desviou o olhar, ele me olhava como cinco anos atrás, um olhar calmo e de alguém encantado por estar vendo algo inédito, o olhar que só ele tinha pra mim, um olhar que eu nunca tinha visto ninguém me olhar. Não respondi nada e assenti com a cabeça. Cinco anos. Encarei de volta tentando ver através de seus olhos o que ele estava querendo dizer com aquilo, parei e olhei para os lados. A música do seu celular havia parado e seus braços que antes estavam meu ombro agora já estavam em sua perna. O silêncio predominou durante uns longos cinco minutos, peguei um cigarro. Talvez ele não soubesse mais eu comecei a fumar há uns dois anos, um hábito ruim que havia adquirido com a vida, mas, que somente ele me dava uma sensação de placebo, a sensação de estar inerte a tudo. Ele observou meus movimentos e a tragar, não disse nada, mas sabia do seu olhar de reprovação, tragava calmamente deixando que a fumaça dessem uma cor preta aos meus pulmões, e ia soltando logo em seguida devagar, traguei mais uma vez antes dele falar: 
- Não sabia que você fumava. – Falou sério. 
- Pois é, é um hábito que adquiri. – Falei sem me importar. Ele nada respondeu, e apenas me observava. Eu tinha tanto a perguntar e tanto medo do estrago que poderia causar, o efeito do cigarro não estava vindo, fumei rápido e respirei fundo guardando meu isqueiro no bolso. Ajeitei o cabelo, o olhei nos olhos e falei inesperadamente:    
- Você se arrepende de ter escrito pra mim? A poesia?       
- Não, jamais. É uma das poucas coisas que não me arrependo. – Ele disse firme.
- Então, porque não me a expos? – Perguntei.         
- Já disse, quis guardar pra mim. – Ele disse. Não disse nada, achei melhor não tocar mais no assunto até que ele enfim falou.                                                                       

    – Sua poesia foi a melhor que escrevi, a mais sinceras palavras que eu poderia falar para alguém, os mais bonitos versos e rimas. A minha melhor observação. – Ele disse como se eu não estivesse lá.  
- Não entendo porque você a escreveu, afinal. Não nos conhecíamos naquela época. E depois que você me entregou você não disse nada, nenhuma explicação. – Eu disse séria.

- Poesia não é para ser entendida Colombina, e sim para ser sentida. Sentir as palavras, os versos. Interpretar. Incorporar. – Assenti com a cabeça tentando assimilar as informações que foram passadas. Acendi outro cigarro, como se o cigarro em si fosse me dar a resposta de alguma coisa, mas na verdade eu queria mesmo é saber mais. Ele continuou a falar:       
- Não há exatamente uma razão que você tanto quer saber para eu ter feito sua poesia. Um poeta apenas a escreve, quando a inspiração vem, quando os pensamentos precisam ser expressos em palavras. Eu a vi, e logo quis escrever, já que nunca tinha visto você antes e não te conhecia. Era algo totalmente novo, precisei escrever porque você me encantava com seu jeito, e eu precisava expressar isso, então eu precisava escrever. –                   
 Ele falava com rapidez e aos mesmo tempo lentamento, era como se tivesse contando um segredo e mesmo assim querendo guardar, com medo. Ele continuava a me observar, terminei meu cigarro, eu o olhava perdida e querendo saber mais do seus segredos, pedindo por mais, eu precisava saber. Ele continuou:     
- Com o tempo que fui te observando cada vez mais, eu precisava escrever, com o tempo que te desvendava e via que você era tão encantadora quanto demonstrava ser, tão enigmática. O teu silêncio em meio a situação, a música que saia de teus lábios. Você tão instável com você mesmo, sua vida, e as pessoas. Juntei as informações que tinha as mãos, e a cada vez que eu juntava, você mostrava um lado que eu queria desvendar, um lado que mais parecia um muro e que eu quis tanto derrubar. Seu jeito de se mostrar para as pessoas mas, que,  só te conhecendo de verdade sabe-se que você não é assim. –                             Ele me encarava sem desviar o olhar, eu podia sentir a sinceridade na sua voz e ver o alívio em seus olhos por estar falando enfim, tudo aquilo. Ele era incrível. Ele me conhecia sem precisar falar, só de observar. Era incrível a descrição que ele fazia, a sua opinião sobre mim. Eu me sentia estranha, nunca ninguém havia falado assim comigo, ninguém nunca tinha me conhecido tão internamente como ele, nem minha mãe, amigos e namorados. Ninguém havia invadido meu espaço que eu fazia questão de guardar pra mim, ele havia entrado. E ali comigo estado, sem permissão ele só tava lá. Eu o encarava de volta, em silêncio e eu sabia que não era necessário que eu falasse já que ele me lia tão intensamente. Ele se afastou, não hesitei e deixei. Eu não sabia o que falar.

- Incrível como você sempre me leu tão bem. – Falei e ele nada respondeu. A minha resposta estava ali, tudo que eu quis sempre saber. Uma dúvida apenas eu tinha.      
- Ainda dói? – Perguntei. E ele nada disse, soube naquele instante que ele não havia superado. Eu quis chorar, quis abraçar esse alguém que tanto me conhecia que eu não dava o valor merecido. Ele era bom demais pra mim. Sabia que aquela conversava o cutucava devagar na ferida, mas era um mal necessário. Me aproximei dele o abracei pra que ele pudesse sentir o quanto que eu me importava com ele, e que ele pudesse ver o quanto também que eu não merecia, e sim alguém que o correspondesse as suas expectativas. Eu sabia que não era única, ou talvez fosse. Mas eu sabia que um dia ele iria encontrar não uma Colombina mais uma Iaiá, o abraçava com força, suspirando. Enquanto ele respirava fundo, acariciei seus cabelos por alguns segundos falei num tom baixo que eu sabia que ele iria entender:         
- O Pierrot chora apaixonado pelo amor da Colombina, a sua sina de chorar em vão. E a Colombina só quer um amor que ela não encontra em um abraço qualquer, essa menina não quer mais saber de mal-me-quer. E o Pierrot vai pra esquina e se mata a beber pra esquecer. O Pierrot só queria amar, e dar um basta nessa dor sem fim, mas a Colombina trocou o seu amor por o de Arlequim,e o Pierrot só chora, chora. –                        
   A sinceridade em minhas palavras duras o fez entender tudo. Ele agora já não tinha porque sofrer, já não tinha porque doer. Eu o senti respirar aliviado, como se tivesse tirado um grande peso, saberia que essa conversa estava marcada para sempre em mim e nele. Ele foi me soltando, e passou a mão por meu rosto carinhosamente e disse calmo:   
- Obrigado, posso enfim, respirar. Como há tempo estava querendo. – Apenas sorri, e ele se levantou e eu o acompanhei com o olhar.                                                                  

 – Eu preciso ir agora- Ele disse e eu assenti com a cabeça. - Fica bem,se cuida. – Ele me deu um beijo no rosto e foi virando, mas logo depois parou e me olhou:                          
 - Ah, vai na minha exposição quarta-feira e terás uma surpresa.    
- Estarei lá – Sorri, acenando com a cabeça. Completei: - Fica bem. Me liga pra gente combinar de conversar mais e ele só sorriu. E seguiu seu caminho.          
                
A conversa que eu tanto queria aconteceu, minhas respostas que tanto procurava agora foram respondidas. Eu pude então tirar aquela culpa dali, pude enfim respirar como ele havia dito mais cedo. O sol estava se pondo, e estava uma tarde extremamente linda com o céu rosado, me levantei. Tinha de ir pra casa, precisava agora comer e relaxar, a conversa tinha me dado um ânimo diferente, me levantei e fui embora.                             
Três dias se passara até quarta-feira. Fui à exposição como ele tinha pedido, e desta vez estava diferente, tinha um estante no meio do teatro, com somente uma poesia e fui até lá para ver e lá estava a minha, a que ele tinha escrito pra mim, com meu nome logo embaixo para que todos pudessem ver:        
“Talvez os versos que te faço não encontre em teu peito inseguro, a sensação imortal do segundo em que a poesia te toma como porto seguro. Meus versos não pretendem fazer-te moinhos de vento, nem tampouco impor um futuro.São versos acabrunhados, quase silencioso.Em meio a situações simples/complexas. Meu canto sussurrou em teus lábios flutuantes uma música sem nome, só por ti conhecida e, atrás desses olhos cercados de muros esconde a supra beleza até por ti desconhecida, quebram-se rostos e máscaras no salão… pois o blues-poesia enxerga por trás de tudo. Talvez o versos que te faço não encontre em teu peito inseguro a leve sensação da brisa matina que faz atirar-se a poesia. É preciso derrubar teu muro de Berlim. É preciso, eu preciso. PS: Para a Colombina”                                                                                                                      
 Sorri, e o procurei no grande teatro, ele me observava sorrindo, calmo. Acenei com a cabeça, eu ia cumprimenta-lo, mas vi que uma moça bonita estava de mãos dadas com ele, agora não uma Colombina mais sim uma Iaiá que ele tanto procurava um amor de verdade. Sorri discreto, me virei indo embora, sentindo que tudo enfim estava resolvido, que entre eu ele agora, podia cada um seguir em sossego.

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